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Não tenho o que vestir

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Gineto vive na cidade italiana de Como/Lombardia, quase Suíça, sendo guardião da ruína do Barardelo - um mangrulho medieval. Se gloria de dizer que está há 60 anos sem sair do local, sem faltar serviço, e que não morre por não ter sucessor, pois ninguém se inscreve para a sua vaga.

Ele é um homem sábio. Sua morada fica no alto de uma montanha. Poucos chegam até lá, o caminho é difícil e cheio de obstáculos, mas são assim as estradas que levam à plenitude. Porém, quem se aventura nessa subida não se arrepende, avista o lago, os Alpes, os vilarejos cravados nas montanhas e a cidade de Como.

Nunca tive notícia de que ele negara água ou alimento às pessoas que se aproximaram, e sempre teve resposta para as dúvidas e angústias dos que chegavam.

Fiquei sua amiga, ouvi dele muitas lendas locais e de outras histórias envolvendo sua figura, não soube ao certo desde quando está naquela montanha, mas pela sua sabedoria, alguns acreditam que ele sempre esteve lá. Sempre é a impressão das pessoas que o conhecem, pois parece que estão diante de um ser que sempre existiu, que não teve começo e não terá fim.

Gineto passa sentado numa pedra, olhando pacientemente para o infinito. Parece o senhor do tempo, sem relógio.

Raramente desce para compras, vive com o que a natureza lhe dá: frutas e peixes que intercala com jejum: o jejum diz que é o alimento da alma e do espírito.

Ele sempre é direto e claro nas falas, gostando de dizer: "por que esconder em parábola a beleza da verdade cristalina?". 

Num dia em que eu estava lá, chega um jovem ao topo da montanha, sua fisionomia ao observar a paisagem foi indescritível. Nós estávamos envoltos na tranquilidade.

Com cautela, se aproxima. Gineto, sem tirar os olhos do infinito, disse: "não tenha receio, filho, se aproxime, não somos assombração, somos de carne e osso".

Alguns pássaros quebraram o silêncio, o jovem comentou sobre a beleza do lugar e filosofou sobre a criação, a natureza, os quatro elementos, o amor e a verdade. Terminou sua reflexão deixando no ar a pergunta: "será que existe a verdade absoluta?".

Eu tentava responder quando Gineto toma a palavra e diz: "não, meu jovem, nenhuma verdade é absoluta".

Disse isso e se fechou. O jovem se levantou, se sacudiu, se ensaiava de retomar a trilha da descida quando Gineto diz: "fique mais um pouco, acho que me enganei. Você é casado?" Ele responde: "moro com minha namorada". 

Gineto: "Então, você sabe qual é a única verdade absoluta que existe". Ele fala: "o amor?". Gineto lhe olha e solta a pérola: "Não! A verdade absoluta está na mulher que abre seu armário, observa desolada seu conteúdo, tenta não gritar de raiva ou desespero, diz solene e triste: não tenho roupa para sair!".

Caro leitor, você já viu uma mulher abrir as portas do seu armário lotado e dizer: "não tenho o que vestir?"

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